quinta-feira, 5 de março de 2009

Nós

Querid@s,

O planeta irá se virar sem nós. Em sua história, somos tão recentes quanto o ponto final de um livro com bem escritas trezentas páginas. Representamos muito pouco no contexto da bio-diversidade planetária, mas nosso impacto é estrondoso.

Mas a margem do planeta é consideravelmente maior que a nossa. Uma pequena variação na temperatura, nos ciclos de água e serão muitos os humanos mortos por dia. Já somos muitos os humanos que morrem por dia. Oito milhões ao ano “só” por sede.

Salvar o planeta é uma dessas pretensões tão humanas. O planeta irá se virar, conosco ou não. Está aí girando a quatro bilhões de anos, muitas vezes congelado. A questão não é sobre salvar o planeta, mas sobre a continuidade da espécie humana nele.

O planeta pode ser visto como uma ilha, porque não temos condições de nos assentar em massa em qualquer corpo celeste favorável às necessidades humanas básicas. Ao mesmo tempo, os recursos desta ilha são muitas vezes finitos ou apenas lentamente renováveis. O que acontece quando uma espécie presa numa ilha devasta sua base vital?

Em cenários assim, a espécie irá enfrentar o ponto de corte até que se readeque à oferta natural. E as previsões científicas sugerem que o corte de humanos vai aumentar. Novas e insuspeitas Etiópias, colunas quilométricas de migrantes em busca de refúgio, crescentes conflitos por água, todos fenômenos agigantados nas próximas três décadas.

É claro que podemos desfazer ou transformar as causas do aumento do ponto de corte, cessando o viés mesquinho, consumista e inconseqüente de nossas ações, superando a visão antropocêntrica em benefício de um modelo ecocêntrico. Não é algo fácil, que se instale na consciência coletiva humana em poucos anos. Implica uma visceral atualização de crenças e valores, intenções e atitudes.

Uma atualização assim é grande empresa. E poderia salvar quem realmente precisa de ajuda: nós. Ou não somos nós que nos abatemos uns aos outros ao menor sinal de discórdia? Ou não somos o lixo que obstrui as outras espécies vivas? Urge dissolver o auto-engano no qual nos enredamos, auto-complacente para conosco, terrível para os outros. Os outros, esses diferentes de mim!

“Os outros” não são diferentes assim “de mim”. A diferença está na visão. E a visão é um construto tão cultural quanto biológico. Portanto, passível de revisão e mudança. Desnorteados por nossas crenças exclusivistas e avassaladoras certezas, nos tornamos arrogantes e impiedosos, capazes de atos os mais destrutivos.

A continuar a escalada de intolerância entre nós, o planeta não terá sequer o trabalho de nos dispor na gaveta das experiências que não deram certo, já que nos engavetaremos por nós mesmos.

Milênios de história, milhares de culturas, grandes mestres e mestras do caminho. Tudo para nada? Talvez em algum lugar se aprenda: o desejo individualista lastreado pela ausência de sabedoria e compaixão é via curta para o auto-aniquilamento.

Com amor,
B. (na Sala de Espelhos Auto-Refletidos)

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